“Meu desafio é repensar processos e levar a Volkswagen aonde ela precisa ir”
Fabio Rabelo, head de digitalização e novos modelos de negócio, conta como uma montadora tradicional inova com novos serviços e recursos de conectividade
GIOVANNA RIATO, AB
Até 2015 o slogan global da Volkswagen era Das Auto, um pretensioso O carro. Muita coisa mudou na organização nestes três anos com a crise gerada pelo dieselgate, fraude nas emissões de poluentes dos carros que fez a companhia repensar sua estratégia global, e pela transformação digital que deixou claro o fato de que empresas automotivas precisam entregar muito mais do que automóveis. É justamente este o trabalho de Fabio Rabelo, head de digitalização e novos modelos de negócio da companhia para a América Latina. Enquanto a matriz da empresa desenvolve soluções globais, como a plataforma We de serviços prometida para os próximos anos, o executivo cuida da evolução local da Volkswagen, adequada ao consumidor brasileiro.
Ele entrou na companhia há seis anos como responsável pelo marketing digital e, há dois, migrou para estrear a área de inovação, abrindo caminho para ampliar o horizonte de uma empresa que trabalha há 80 anos focada em fazer o tal Das auto. O mindset de Rabelo é outro: entregar a melhor experiência para o cliente – algo que não se limita apenas ao carro.
“Meu desafio é rever os processos como um todo, olhar para jornada do consumidor e levar a companhia aonde ela precisa ir. Precisamos reinventar a empresa em serviços e conectividade para os clientes que estão com o celular na mão e não querem esperar”, diz. |
Rabelo defende que o automóvel segue como um produto cobiçado pelo consumidor – principalmente quando se trata do brasileiro. Ainda assim, ele entende que se a indústria não investir na própria reinvenção, concorrentes oferecerão a novidade que as pessoas precisam. “Nós vendemos o sonho e isso vai continuar assim, mas cada vez mais quem precisa se locomover usa outros recursos, como aplicativos de corridas. Precisamos apostar em sistemas e ferramentas novas”, acredita.
GRANDES DECISÕES, GRANDES DESAFIOS |
O executivo entende que o momento é de grandes escolhas para a indústria automotiva. “Precisamos tomar decisões muito importantes rápido porque o cliente é sempre ansioso. Em 2010 um carro legal tinha espaço para colocar 6 CDs. Hoje um automóvel minimamente interessante tem um rádio que sincroniza Spotify”, diz. Esta não é exatamente uma tarefa simples em uma empresa com a história e o porte da Volkswagen. Há certa resistência a cada nova ideia, aponta o executivo, que se especializa cada vez mais em contornar o primeiro “não” para conseguir tocar novos projetos.
Segundo ele, o caminho para receber aprovação é chegar com um planejamento robusto nas mãos desde o primeiro momento. Se a conversa começar com “eu acho”, há boas chances de ela não avançar, admite. Rabelo reconhece também que o excesso de questionamentos fortalece os projetos.
“Há uma resistência natural, que existe em qualquer lugar. A vantagem aqui é que temos muito suporte da liderança da companhia para criar novas soluções. Nosso compromisso é garantir a entrega para o consumidor e, por isso, colocamos o foco lá na frente”, conta. |
O time de Rabelo conta apenas com seis pessoas que, como ele mesmo diz, precisam inspirar e puxar os outros 16 mil funcionários da companhia no Brasil. Cada projeto é feito de forma colaborativa, conectando outras equipes e profissionais conforme as demandas surgem.
ELEMENTAR, MEU CARO WATSON |
Foi preciso transpor algumas barreiras, mas Rabelo viu a resistência ao novo recuar na companhia quando a área de novos negócios fez seu primeiro grande lançamento: o manual cognitivo lançado no fim de 2017 com o Virtus. O recurso foi desenvolvido em parceria com a IBM, baseado na plataforma Watson, para tornar mais fluída a experiência do consumidor com o carro, conta Rabelo.
O executivo diz que, em um mundo digital, recorrer a um livro no porta-luvas para entender sobre um aspecto do automóvel soa como uma experiência rudimentar. Segundo ele, o manual cognitivo propõe uma nova relação com o automóvel. Por meio do aplicativo Meu Volkswagen no celular, o consumidor faz perguntas quando tem uma dúvida sobre o veículo, que rapidamente é respondida pelo sistema.
“Antes o cliente procurava no Google quando queria saber algo sobre o veículo, mas esta é uma ferramenta imprecisa neste caso, que não consegue trazer todas as informações. Com o aplicativo, nós conseguimos entregar o que ele quer”, conta. |
Tudo é feito por comandos de voz e o sistema precisa entender a dúvida do cliente independentemente de seu sotaque ou maneira de formular a pergunta, afinal, nenhum Sherlock Holmes ficaria feliz com um Watson que não consegue entregar as respostas. Rabelo conta que a tecnologia se torna mais precisa à medida que as pessoas a utilizam com novos questionamentos. “Hoje temos 92% de assertividade, mas a tendência é melhorar. A satisfação dos clientes que usam é bem alta.”
Depois da estreia no Virtus, a solução já foi implementada no Jetta, no Tiguan e, em breve, deve estar em toda a gama, ampliando consideravelmente as 12 mil perguntas mensais que o Watson tem recebido sobre os carros da Volkswagen. O projeto, diz Rabelo, é um case da companhia no mundo. “Fomos o primeiro país e a primeira marca a fazer algo do tipo.” Inovação made in Brazil, assegura. “Logo lançaremos em outros continentes”, diz.
USAR DADOS PARA CALIBRAR ESTRATÉGIA |
Apesar dos bons resultados que Rabelo diz já ter gerado com o manual cognitivo até aqui, o grande potencial da solução está no que ela vai se transformar no futuro. O maior ativo é a enorme quantidade de dados sobre os consumidores que o sistema é capaz de captar, algo que vai ajudar a Volkswagen a tomar suas decisões estratégicas mais para frente. “Eu consigo saber qual modelo o cliente tem, quais são as suas dúvidas, o que é ou não intuitivo no carro”, diz.
O sistema já oferece recursos como agendar revisões na rede de concessionárias da marca, mas o plano é incluir outros recursos de conveniência. “Estamos discutindo parcerias com redes de postos de gasolina, com delivery de comida e prefeituras”, enumera. A meta ainda não é gerar receitas, mas entregar comodidade.
Logo chegam ao mercado outros frutos do trabalho da equipe de Rabelo. O primeiro é o Volkswagen Connect, sistema que mostra todas as informações de diagnóstico do automóvel direto no celular do consumidor. A novidade estreia no SUV T-Cross, em 2019, e será outra ferramenta para que a organização use dados para entender como é a rotina de uso do carro. Mais uma novidade que deve ganhar força em 2019 é a concessionária digital, conceito desenvolvido pela área de novos modelos de negócio que aposta em recursos tecnológicos para vender carros. Com estas estreias, a companhia dá muitos passos ao mesmo tempo.
“O digital evolui muito rápido. Toda vez que aprendo a fazer o meu trabalho, tudo muda”, brinca Rabelo. |
Mesmo que a corrida seja injusta, ele assegura que vale a pena acelerar o passo para tirar o atraso. Afinal, lembra ele, inovar é muito mais do que fazer o famigerado Das Auto, é buscar a reinvenção na palma da mão do consumidor, direto no smartphone.
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